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Colonização, mosquitos e febres – mortes, teorias e crendices do passado.

Os marinheiros portugueses na época da colonização africana temiam os “maus ares”. Caso notassem que as bandeiras no mastro principal de seus navios estavam ondulando em um sentido contrário em virtude de um súbito vento quente, eram tomados pelo temor do surgimento de febre, incrédulos ateavam fogo na mata.


Os cronistas do século XVI louvavam os “bons ares” do Brasil. Apenas no século XVIII as referências à febre amarela e malária se tornaram frequentes.


A malária, introduzida pelo tráfico de escravos, justificava a sua continuidade para os escravocratas, uma vez que apenas os africanos resistiam ao seu ataque severo.


Os médicos acreditavam que a malária nunca se transmitia de pessoa a pessoa pelo contato. Era possível, em geral, estabelecer com razoável precisão o raio de ação epidêmica da doença, pois parecia evidente que a malária surgia de “corpúsculos” em suspensão na atmosfera, provenientes de vegetais e animais em putrefação, localizando-se, preferencialmente, em áreas pantanosas e outras regiões baixas, quentes e úmidas.

Imagem: Pixabay

Antes do final do século XIX os mosquitos eram considerados meros causadores de incômodo. Após a descoberta, de que a malária era transmitida pelo mosquito Anopheles sp. , governos de todo mundo puseram a erradicar esses insetos vetores drenando pântanos e pulverizando as áreas infestadas com inseticidas.


Na Europa, a relação entre os protozoários do gênero Plasmodium sp. parasitas do tecido sanguíneo e o mosquito-vetor, Anopheles maculipennis, pareceu a princípio, inconsistente. Em alguns lugares o mosquito era abundante, mas a malária rara ou inexistente, porém em outros o inverso era verdade. Finalmente, em 1934 entomólogos solucionaram o problema, descobriram A. maculipennis não era uma única espécie, mas um grupo de pelos menos sete.

Imagem: Pixabay

Na África, o portador de um ou dois genes para a anemia falciforme (siclemia) está protegido contra a malária. A hemoglobina em forma de foice é menos vulnerável aos invasores Plasmodium sp. Por causa da resistência que confere, meia dose de genes para siclemia, é vantajosa naquelas regiões onde a malária é frequente, mas a seleção natural se autocompensa. Quando o gene aumenta na população, mais pessoas adquirem a dose dupla e falecem de anemia hereditária. Quando se torna escasso, mais pessoas morrem de malária. Uma das principais causas de mortalidade, principalmente entre crianças, matando cerca de meio milhão de pessoas por ano.

Imagem: Pixabay

A ausência de uma vacina e a seleção dos parasitas resistentes às drogas agrava o quadro. Outro problema é o pequeno financiamento das pesquisas relacionadas à vacina.


Há uma nova proposta que procura identificar o mecanismo genético que torna algumas espécies de mosquitos resistentes à infecção pelo plasmódio e transferi-lo para o gênero Anopheles sp. Os mosquitos transgênicos seriam liberados no ambiente e, com o tempo, viriam a substituir os selvagens.


A malária pode avançar, mudanças climáticas podem afetar todos os seres vivos. Uma estimativa aponta para o aumento na área da Terra ocupada pelos trópicos e subtrópicos, e a população de mosquitos transmissores de malária, o que provocaria no futuro, 50 a 80 milhões de casos adicionais de malária por ano.

Imagem: Pixabay

No caso da febre amarela, as primeiras suspeitas que uma espécie de mosquito pudesse transmiti-la ocorreram no final do século XIX. Carlos Juan Finlay em Cuba, praticamente descobriu que o mosquito era responsável pelo flagelo, muito antes do agente viral ser conhecido. Lamentavelmente seu trabalho não foi suficiente para convencer a comunidade científica, atrasando o estudo da doença.


Carlos Finlay foi considerado pelos cubanos como um velho teórico louco. Seus trabalhos foram facilmente contestados, não tinham rigor científico, foram conduzidos em área endêmica, posteriormente iniciaram pesquisas com cobaias humanas, que eram picadas pelas fêmeas do mosquito que sugaram o sangue de pessoas com os sintomas evidentes da doença.


No Rio de Janeiro, médicos e outros associavam a epidemia de febre amarela de 1.850 ao tráfico de escravos. Os africanos tinham os sintomas da doença com menor severidade. Ao contrário dos europeus. D. Pedro II e a imperatriz perderam seu filhinho de um ano e meio.


No final de 1849 o andor de São Benedito (santo negro) não foi levado à procissão, deixaram-no na sacristia. Na estação chuvosa do ano posterior surgiu a primeira grande epidemia de febre amarela na cidade. As beatas concluíram que o flagelo era vingança do santo ofendido.


No Brasil os experimentos visavam provar ser o mosquito Aedes aegypti transmissor da febre amarela. O Dr. Emílio Ribas e o Dr. Adolpho Lutz com mais dois voluntários, fizeram - se picar com os mosquitos infectados, porém foram frustrados, ninguém contraiu a doença.



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